quarta-feira, 4 de dezembro de 2019

ELOGIO DE UM SORRISO ADMIRAVELMENTE REDONDO




O seu sorriso de tangerina (assim o chamo por ser redondo e maduro) trava exemplarmente a cavalgada assombrada da noite. Por isso durmo feliz, com ele a guardar‑me os sonhos e os dias. Parece um anjo às portas da memória, cuidando do esquecimento.
Pensando nele, dir-se-ia que sonhar acaba por ser uma forma de sudação pneumática. Ora o sorrir que me acompanha a cabeça no travesseiro mole das recordações ajuda-me a suar discretamente. Não tenho, pois, suores frios — oníricos, claro está!
E quando acordo, a sua presença de éter feita já naufraga, e muito perto dos meus lábios. Educo‑me então para a música e persigo‑a, essa figura aérea, com ânsias terrestres de a ver encarnar em teu nome apenas. Isso confesso, que confio infinitamente na certeza daquele velho filósofo: a verdade é redonda — e agora cresce em ti. A sua dimensão empírica é por certo esse sorriso que te levanta o corpo acima dos mortais.

Eurico de Carvalho


In AA. VV., Grande Antologia de Poesia e Prosa Contemporânea. Lisboa: Editorial Minerva, 1993, p. 37.



Etiquetas:

0 Leituras da Montr@:

Enviar um comentário

<< Home