ELOGIO DE UM SORRISO ADMIRAVELMENTE REDONDO
O
seu sorriso de tangerina (assim o chamo por ser redondo e maduro) trava
exemplarmente a cavalgada assombrada da noite. Por isso durmo feliz, com ele a
guardar‑me os sonhos e os dias. Parece um anjo às portas da memória, cuidando
do esquecimento.
Pensando
nele, dir-se-ia que sonhar acaba por ser uma forma de sudação pneumática. Ora o
sorrir que me acompanha a cabeça no travesseiro mole das recordações ajuda-me a
suar discretamente. Não tenho, pois, suores frios — oníricos, claro está!
E
quando acordo, a sua presença de éter feita já naufraga, e muito perto dos meus
lábios. Educo‑me então para a música e persigo‑a, essa figura aérea, com ânsias
terrestres de a ver encarnar em teu nome apenas. Isso confesso, que confio
infinitamente na certeza daquele velho filósofo: a verdade é redonda — e agora
cresce em ti. A sua dimensão empírica é por certo esse sorriso que te levanta o
corpo acima dos mortais.
Eurico
de Carvalho
In AA.
VV., Grande Antologia de Poesia e Prosa
Contemporânea. Lisboa: Editorial Minerva, 1993, p. 37.
Etiquetas: PROSA
0 Leituras da Montr@:
Enviar um comentário
<< Home