terça-feira, 27 de outubro de 2020

O HORÁRIO DOS PROFESSORES

 


    Embora se trate de uma carta cuja publicação remonta a 20 de Setembro de 2005, o seu conteúdo (infelizmente!) não perdeu actualidade. Disso mesmo é prova a nova greve ao sobretrabalho que se inicia hoje.

    Como estamos a ver, há um trecho que foi objecto de um corte. Assim sendo, procedo, pela primeira vez, à transcrição integral do texto que enviei ao «Jornal de Notícias». Ei‑la:

O HORÁRIO DOS PROFESSORES:

CARTA ABERTA À REDACÇÃO DO «JORNAL DE NOTÍCIAS»

    Ex.mo Sr.

    Director José Leite Pereira:

    O «JN» faz parte da minha vida. À semelhança do café da manhã, a sua leitura é‑me indispensável. Trazê‑lo para casa significa a repetição de um ritual paterno muito antigo. E por aí, é certo, num quadro mitológico e familiar, vou também alimentando a memória afectiva de um fio que atravessa gerações. Não quero quebrá‑lo. Habituei‑me a ver no jornal que V. Ex.ª dirige um exemplo de seriedade editorial e rigor informativo. É por isso que não posso deixar de lamentar o cunho demagógico da manchete da edição do passado dia 14 deste mês: «Semana dos professores tem 21 horas». Sou docente do Ensino Secundário há quinze anos — e não me revejo minimamente em tal afirmação. E passo a explicar porquê: a dita manchete só tem em conta a componente lectiva do horário semanal do professorado, escamoteando por completo a dimensão «invisível» do seu serviço, o qual implica necessariamente, para além da actualização científico‑pedagógica, a preparação das aulas e a avaliação dos alunos. Atendendo a tudo isto, é bom de ver que todo o professor digno da sua profissão desenvolve um trabalho intelectual cuja duração hebdomadária ultrapassa de longe a que está prevista no Estatuto da Carreira Docente: trinta e cinco horas.

    Em plena ofensiva governamental contra os legítimos direitos dos professores, o jornal de V. Ex.ª prestou‑se a um papel que não lhe fica bem, contribuindo objectivamente para o crescimento do populismo neste país. Assim sendo, não posso nem devo calar a surda revolta que grassa no seio da classe docente. Em relação a tanta demagogia, e de uma vez por todas, é preciso que alguém diga: «Basta!»

    Sem outro assunto, subscrevo‑me com os melhores cumprimentos.

O PROFESSOR

Eurico de Carvalho

    P. S. ­— É óbvio, Ex.mo Sr. Director, que esta carta, só por si, não pode eliminar os efeitos nefastos da manchete. Seja como for, desde já lhe agradeço a sua publicação. Penso sinceramente que assim prestará um bom serviço aos leitores do «JN».

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