quinta-feira, 4 de janeiro de 2007

O MONÓLOGO DO AMOR COMPLICADO

Campo Alegre: 1985

Começou por ser assim: uma palavra — e pouco mais. Outras vieram depois: sem pedir licença, instalaram‑se a meio caminho de ti. O amor sempre recomeça (pelo fim — dizem), sem que eu nisso ponha pé no quanto seja terra autêntica. Ela… Não era da cor da luz, que o sei em meus olhos que não. Mas não perduram os astros em ser noite pela órbita monótona do Belo? Disse‑lhe: «Teus olhos flutuam nos meus.» Tão simples como isso: a tarde em cima. Um cuidado, porventura solar, por companheiro. A Revolução dos Orbes Celestes em A4. E a alma? Não é uma «planta do céu», embora se queira tal: multiplicação dos nomes inúteis no curral dos séculos. Oferecemo‑nos, quando?, raízes e frutos mexidos durante o Outono. A tua estação. De ambos, é verdade. Não poupávamos para o Inverno.

Escrever é uma perda irreparável. Tinha escrito: que olhos flutuantes! E começou por ser… uma palavra? — de que me não lembro. Fraseámos, ou fraseava. Mas amor exige prática de romance, e não a tenho. É dificílimo fazê‑lo de um modo manuscrito.

Música e quarto. Claridade pitagórica. É necessária a arte para traçar a geometria destas andanças e desandanças. São cansaços: familiares, alguns. Quantas horas desejei não encontrar‑te para haver suplício em mim! — e símbolo. Não somos, passamos: endeusamentos, ai!, mesquinhos, do arbitrário elevado à categoria de metáfora. Não foram duzentas as imagens que coloquei à tua beira‑mágoa, semelhança em forma de carta roubada ao coração pequenino da glória? Não foram mil as palavras? Nunca duvidei do espanto. Apanhei‑o em ti.

A debilidade dos pássaros de mentira (feitos num alfabeto inconsútil) — era uma febre! Odiávamos a presença diária mas duradoura do outro, indispensável à nossa pele de elefantes brancos. Amávamo‑nos, todavia. Assim diziam algo de nós, pois déramos cabo da substância habitável do planeta. Éramos, claro está, Arquitectos no País dos Engenheiros.

EURICO DE CARVALHO

In «O Tecto»,

Ano XVIII, n.º 56,

Dezembro/2006, pág. 13.

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3 Leituras da Montr@:

Anonymous Anónimo disse...

adorei o texto
as suas palavras entranham-se... enchem o pensamento de imagens...
mais uma vez, adorei
voltarei para o ler
até já

9:01 da tarde  
Anonymous Anónimo disse...

Presumo que este texto esteja perto do seu vigésimo segundo aniversário e, naturalmente, a pergunta escapa-se-me, por sentir que se escondem,
(in)conscientemente, palavras que poderiam, dada a sua valiosidade, iluminar alguns corações enegrecidos !! O tempo, esse pássaro incansável, é que me espanta. O tempo e o silêncio. Para quando o livro, aiwareiks?

Beijo

Vera

1:32 da tarde  
Blogger Eurico de Carvalho disse...

Em relação à sua pergunta, gostaria de recomendar-lhe a leitura de um outro texto: a Terceira Carta de Memório a Cármen (http://euricodecarvalho67.blogspot.com/2006/03/cartas-de-memrio-crmen-iii.html).
Seja como for, o livro há-de vir. Não sei quando, de facto, mas é certo. Terá a assinatura do tempo. Um abraço!

3:07 da tarde  

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