MANIFESTO EM FORMA DE SER
1. Em defesa de sermos proponho o Poema.
1.1. Para que o poeta — e cito — tudo sinta e cumpra o pastoreio do Ser.
1.2. A saber o sabor sóbrio da Palavra.
1.3. A dizer‑se alegre sem esforço fácil.
1.4. Em falar a fala do falo.
1.5. Eu falo.
2. Em defesa de sermos sonho‑me muito.
2.1. Que sempre aprendi a prosa de vir‑me.
2.2. Que quero querer aquilo que quero.
2.3. Como aliás a lilás ali possa.
2.4. Pois perder‑me da morte é ter‑me agora.
2.5. E agora creio por recreio.
3. Em defesa de sermos desamarro a muralha.
3.1. Acho‑me em achar.
3.2. E racho a acha do archote.
3.3. E adivinho o vinho de ver‑vos.
3.4. Onde por ver‑vos beba o Verbo.
3.5. Sou e assumo o sumo de mim.
4. Em defesa de sermos desde o adeus digo.
4.1. O desejo cedo ceda à sede da ceda.
4.2. Porque porquê é de mais perguntar à pergunta.
4.3. Logo resposta posta ao rés‑do‑chão.
4.4. Se válido é o já lido lado vão.
4.5. Se ser é desviar‑se sendo a larva borboleta.
5. Em defesa de sermos desloco o óculo.
5.1. Alugo a carruagem sem janelas lendo olhos.
5.2. Se nelas a viagem gera o logro da aragem
5.3. Se nelas neles as sentinelas são.
5.4. É sermos sem sermão.
5.5. E se a dor me ser seja quase adormecer.
Eurico de Carvalho
In Campo Alegre — Colectânea de Poemas,
Porto, 1986.
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