DO LIMITE DAS COISAS
Vivemos — sobrevivemos? — no limite das coisas. Há quem lhe dê nomes sonoros — os anjos e os turistas, por exemplo —, no acompanhamento deontológico da mais‑valia. Questões de legitimação, é claro. O limite é o simbólico: o nome do Pai. Por ele se faz a unificação do múltiplo — o império do conceito —, a administração do quotidiano — o império do dinheiro — e a centralização do poder — o império da lei. Ou seja: Deus, Capitalismo e Estado — os três nomes do Pai: o metafísico, o económico e o político. A Santíssima Trindade.
Estamos assim em pleno fascismo, cuja estratégia consiste no facto de colocar o universal abstracto — o mesmo, o valor de troca e a norma — ao serviço das técnicas burocráticas de dominação. Mas se «o limite só existe para ser ultrapassado» — como diz Hegel, e muito bem, embora o diga num contexto diverso do meu —, então o fascismo cai pela base. Com efeito, este não é senão a redução do in‑finito [sic] ao finito (e também: da história à natureza, da essência à manifestação, do invisível ao visível, do corpo ao organismo, do ser ao ente, do acontecimento ao sistema, da vidência à evidência…) — redução essa que se traduz, do ponto de vista metafísico, na dissolução do outro no mesmo; do ponto de vista económico, na substituição do valor de uso pelo valor de troca; e, finalmente, do ponto de vista político, na submissão do a‑normal [sic] à norma.
Dissolução, substituição e submissão: são estas as astúcias do fascismo dúlcido, o qual não se coíbe de neutralizar o próprio simbólico, dando‑lhe um estatuto ontológico degradado, cujo âmbito pode ser delineado por aquilo a que eu chamo «folclore» — e que está sujeito a várias determinações. Estas, no entanto, na sua generalidade, não excedem em muito a vulgaridade do campo semântico aberto pelo termo referido.
Eurico de Carvalho
In «O Tecto»,
Ano XI, n.º 24,
Outubro/1999, pág. 4.
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