quarta-feira, 17 de março de 2021

CITAÇÃO DE PLATINA [LXI]

 


«Os Ocidentais comem cada vez mais sozinhos. Há estudos que sugerem que as pessoas que costumam comer pouco comem mais na companhia de outros (talvez porque passem mais tempo à mesa); no entanto, para quem tem tendência para comer de mais, as refeições em comunidade acabam por limitar o consumo, quando mais não seja porque os outros estão a olhar para nós. Além disso, também temos tendência para comer mais devagar, visto que, normalmente, estão a passar-se mais coisas à mesa para lá da ingestão. É precisamente por esse motivo que tanta publicidade à comida se destina a levar-nos a comer em frente ao televisor ou no carro: quando comemos sozinhos, comemos mais. Mas não se trata apenas de regular o apetite: nas refeições partilhadas, comer deixa de ser apenas um processo biológico e ascende à categoria de ritual de família e comunidade.»

Michael Pollan

 

In Saber Comer: As Regras de Ouro (2011). 2.ª edição (revista e aumentada). Trad. (corrigida) de Pedro Ribeiro e Maria Santos Nunes. Alfragide: Lua de Papel, 2017, p. 185.



COMENTÁRIO

 

Terá tido a pandemia, pelo menos, a virtude extrema de nos induzir à retoma do ritual das refeições familiares? Ou terá sido tal retoma (admitindo a sua existência) mais uma vítima da totalização mercantil da vida social? Não é verdade que assistimos a um aumento exponencial das entregas de comida ao domicílio? A tudo isto acresce, de resto, no quadro global da «sociedade do ecrã», a generalização selvagem do regime de teletrabalho (abolindo‑se, assim, as fronteiras entre o lazer e o labor) e a «uberização» das relações laborais, com a consequente desregulação dos horários de trabalho. Continuamos decerto (quem duvida?) a comer mal, rapidamente — e em más horas.

 

Eurico de Carvalho

 


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