VALE A PENA VER [II]
O último filme de Almodôvar (assim mesmo: à portuguesa) está longe de ser o melhor da carreira do cineasta espanhol. Talvez seja, porém, aquele em que, cuidando ele de evitar a crítica panfletária da sociedade patriarcal, liberta com mais subtileza e astúcia a marca da sua orientação sexual. Nesta fita, de facto, o desejo masculino, i.e., enquanto este se constitui como vontade de possuir o objecto femíneo, só se realiza perversamente, ou melhor, num contexto de violação das convenções sociais: de um lado, adultério; do outro, incesto. Que o autor material do desrespeito pelas regras tenha o nome do Pai, representante tradicional da Lei, eis a ironia do realizador. (A morte ri com dentes de fêmea assanhada.) De uma maneira elucidativa, o único homem bom que a película nos revela assume a pele de uma personagem incapaz de seduzir a mulher dos seus sonhos. Quem é ela? Um sonho de mulher! Encarnando‑a, Penélope, de seu nome, enche o ecrã, negando o destino da homérica figura. Toda a câmara se concentra gulosamente nas redondezas maiores de um corpo que Eça diria, se fosse vivo, maduro e suculento. Mas não deixa de ser curiosa a contradição entre a forma e a substância narrativa: se o modo como Almodôvar filma a actriz revela a amplitude das típicas fantasias de um macho em busca de satisfação femeal, verifica‑se aqui, pois, a colisão com o conteúdo fílmico, o qual bem merece o amor imenso das mães e o secreto elogio das viúvas.
Eurico de Carvalho
1 Leituras da Montr@:
Eurico, ler o seu texto desperta o interesse de procurar
conhecer o filme não apenas
através do visual, mas de forma a
abranger a descoberta das
personagens (no campo das idéias e da imaginação), no afã de assim
atingir um quadro peculiar.
Boa noite, bons sonhos e o abraço
mineiro : )
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