domingo, 16 de julho de 2006

CENA DIDÁCTICA [III]


Sete Paradoxos do País da Identidade

I

Paulatinamente, mercê do incremento da cultura dita de massas, a juventude transformou‑se, por assim dizer, num eldorado — e nele o ouro tem agora por nome identidade. «Ser de verdade é ser jovem!» — equação admirável do tempo que passa. Como é bem sabido, no entanto, não há imaginário sem o seu reverso — e esta nada tem que se admire. De facto, cada vez mais jovens (quer frequentem, quer não, a escola) se vêem sem identidade e desprovidos de uma função. Não por acaso, a toxicomania e a delinquência são alguns dos males do século que se vive no ditoso «país da identidade».

II

Em tempo algum tiveram os jovens — em média — tantas oportunidades como hoje. E em nenhuma época, como nesta, foi tão feroz a concorrência por elas.

III

Justamente quando os jovens sabem com menos precisão a razão de ser dos seus estudos, são induzidos a prolongá‑los por mais tempo, muito superior ao de outrora.

IV

À medida que passam de ano, são cada vez menos os alunos que gostam da escola e cada vez mais os que lhe dão importância para o seu futuro.

V

O retrato clássico e ideal do adolescente, que lentamente se orienta para a área de estudos que lhe permita o acesso à profissão por ele escolhida, após ter sido cuidadosamente aconselhado e ter compreendido quais eram as suas «aptidões e gostos reais», está no pólo oposto da triste realidade com que se defrontam hodiernamente numerosos adolescentes: bem cedo, a escola fez por eles uma escolha negativa.

VI

A escola é um campo minado por exigências contraditórias, pois não são poucas as vezes em que os fins proclamados nos textos legislativos e nos programas curriculares entram em conflito com os regulamentos administrativos e as condições de trabalho. Com efeito, nem sempre os meios, que o diga a polémica relativa às provas globais, dão a melhor serventia aos fins.

VII

Nos nossos dias, a actividade económica e o sistema de ensino são praticamente incompatíveis: este limitou‑se progressivamente a um único curso de estudos gerais, enquanto aquela continua muito diferenciada e mantém um grande número de empregos para os quais a educação formal vigente não dá preparação. Disto tudo resulta o desemprego dos jovens, o qual tende a aumentar — e é já um fenómeno estrutural das sociedades ditas desenvolvidas ou em vias de desenvolvimento.

Eurico de Carvalho

In JN, 23/VIII/94, pág. 4.

P.S. — À excepção do primeiro, todos os paradoxos foram retirados da seguinte obra: Tornar‑se Adulto numa Sociedade em Mutação de J. Coleman e T. Husen (Ed. Afrontamento, 1985). Todavia, tanto a organização como a ordenação dos mesmos são da minha inteira responsabilidade. [N.B.Apesar de incluir alguns elementos datados, o essencial do artigo mantém plena actualidade. Daí a necessidade de o republicar.]

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