O FUTURO DA RUA
É de saudar (conformemente à notícia do PÚBLICO de 30 de Junho) o
aparecimento de um novo grupo universitário — The Future Design of
Streets Association —, o qual pretende reflectir, como o indica o seu
nome, sobre o futuro da rua. Mas será que a rua tem futuro? Não
o há‑de ter, por certo, se continuar a ser o que ainda é, ou seja, o cinzento
canal rodoviário das deambulações pendulares da massa anónima dos subúrbios das
grandes cidades.
Como a “ditadura do automóvel” é inseparável da ordem capitalista mundial,
torna‑se quase evanescente a hipótese de uma retoma libertária da rua sem a
recusa concomitante dos estilos de vida advindos de uma totalização mercantil
da existência. Quer isto dizer que o futuro da rua, enquanto território do pensamento
crítico, não constitui um domínio exclusivo de arquitectos e urbanistas.
Contra Le Corbusier, que perspectivava o projecto arquitectónico como um
dispositivo anti‑revolucionário (“Arquitectura ou revolução!” — dizia ele
disjuntivamente), devemos associar a arquitectura à revolução — que devolva a
rua a todos (dos mais idosos às crianças). Para ser verdadeira, porém, tal
devolução está longe de ser comparável com a transformação turística da rua, ou
seja, com a sua espectacularização (mero suporte estético, como qualquer um de
nós pode observar, de um urbanismo selvagem e especulativo). Disso mesmo é
exemplo o restauro de fachada dos centros históricos das principais urbes do
nosso país.
Eurico de Carvalho
In Público, n.º 12 119 (6 de
Julho de 2023), p. 7.
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