O ÚLTIMO POEMA DE CESARINY
Na pequena barca do surrealismo de
Lisboa, singrou Cesariny como poeta maior e pintor menor. Como lhe era insuportável
a sombra tutelar de Pessoa sobre a poesia do seu tempo, como a Pessoa
incomodava, aliás, o peso de Camões, seu Adamastor, Mário Cesariny (“ó meu
deus”) de Vasconcelos quis viver a vida, às avessas do cerebralismo pessoano,
sobre a grande passadeira do amor (assumidamente homossexual). Por isso mesmo,
pagou o preço, com o seu próprio corpo, dos vexames públicos e da prisão, em
França, por “maus costumes”. Nele, realmente, nenhum intervalo hipócrita
poderia reluzir entre o dizer e o fazer.
Neste centenário do nascimento de
Cesariny, é bom que lembremos igualmente o testamento do homem, no qual se
determina a doação de mais de um milhão de euros à Casa Pia. Terá sido, por
certo, para Cesariny, o derradeiro exercício poético, irradiando, pois, por
todos os poros, o seu característico humor negro. Na galeria dos notáveis da
Casa Pia, com efeito, passam a estar lado a lado (suprema ironia!) o Intendente
Pina Manique e o surrealista Cesariny.
Eurico de Carvalho
In Público, n.º 12 164 (20
de Agosto de 2023), pp. 6‑7.
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