quinta-feira, 21 de setembro de 2023

O ÚLTIMO POEMA DE CESARINY

 


 

Na pequena barca do surrealismo de Lisboa, singrou Cesariny como poeta maior e pintor menor. Como lhe era insuportável a sombra tutelar de Pessoa sobre a poesia do seu tempo, como a Pessoa incomodava, aliás, o peso de Camões, seu Adamastor, Mário Cesariny (“ó meu deus”) de Vasconcelos quis viver a vida, às avessas do cerebralismo pessoano, sobre a grande passadeira do amor (assumidamente homossexual). Por isso mesmo, pagou o preço, com o seu próprio corpo, dos vexames públicos e da prisão, em França, por “maus costumes”. Nele, realmente, nenhum intervalo hipócrita poderia reluzir entre o dizer e o fazer.

Neste centenário do nascimento de Cesariny, é bom que lembremos igualmente o testamento do homem, no qual se determina a doação de mais de um milhão de euros à Casa Pia. Terá sido, por certo, para Cesariny, o derradeiro exercício poético, irradiando, pois, por todos os poros, o seu característico humor negro. Na galeria dos notáveis da Casa Pia, com efeito, passam a estar lado a lado (suprema ironia!) o Intendente Pina Manique e o surrealista Cesariny.

Eurico de Carvalho

 

In Público, n.º 12 164 (20 de Agosto de 2023), pp. 6‑7.

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