quinta-feira, 14 de março de 2024

A DESVENTURADA DERROTA DA ESQUERDA

 A caminho do cinquentenário de Abril, são quase cinquenta os deputados da extrema‑direita que vão ter assento na Assembleia da República. Quem diria? Mais do que tecer elegias sobre cravos murchos, importa que nos interroguemos acerca das causas desta alteração (estrutural?) das forças parlamentares. Como o terramoto eleitoral teve o seu epicentro no Sul do país, onde era rotineiro o domínio da esquerda (incapaz de responder aos desafios da globalização), aí devemos procurar os motivos da sua derrota. Entre eles, naturalmente, ressaltam as graves disfunções de uma economia sazonal aberta, favorecendo, pois, os fluxos clandestinos de imigrantes — e a multiplicação dos descamisados do turismo de massas e da agricultura intensiva. Tudo isto enriquece uns poucos, mas deixa um rasto insuportável de devastação social e ecológica. Sendo os trabalhadores desqualificados, aliás, os grandes perdedores deste planeta globalizado, é visceral a sua raiva, tanto mais que se sentem traídos por toda a esquerda, quer a velha (fossilizada pelos fantasmas geopolíticos da Guerra Fria) quer a nova (afunilada pelas lutas identitárias, com a consequente perda do horizonte do verdadeiro «teatro das operações»: o mundo do trabalho). Assim se explica, de facto, a transferência radical de votos, ou seja, de um extremo do espectro partidário para o seu antípoda.



Eurico de Carvalho

 In Público, n.º 12 368 (13 de Março de 2024), p. 8.

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