OS ECRÃS DO NOSSO DESCONTENTAMENTO
Na sua obra‑prima, Fahrenheit 451, Ray Bradbury retrata a distopia de um mundo totalitário, no qual os bombeiros queimam livros, ou seja, os instrumentos de bordo da liberdade. É esta, aliás, a faceta mais conhecida do opus magnum — de 1953 — do autor estado‑unidense. Menos sabidas, porém, são as circunstâncias domésticas em que se movem as personagens (totalmente alienadas pela omnipresença dos ecrãs, cujos conteúdos telenovelescos preenchem o vazio das suas vidas). Eis‑nos, de facto, perante uma antecipação extraordinária do que hoje conhecemos por reality show.
Posto isto, podemos compreender melhor a recente comoção mediática (envolvendo até a abertura de telejornais!) em torno das cenas da vida conjugal de um par excêntrico e televisivo. É a prova de que a espectacularização do real já pretende eludir as fronteiras entre informação e entretenimento — com vista à intoxicação da opinião pública.
Eurico de Carvalho
In Público, n.º 12 432 (16
de Maio de 2024), p. 6.
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